Produção tem o Joio como parceiro e traz entrevistas com Bela Gil, Carlos Monteiro, Rita von Hunty
“Tire o homem branco do seu estômago.” Existem muitas maneiras de definir um ultraprocessado. Tem o conceito científico. Tem a tentativa de traduzir o conceito científico por meio dos dois pontos-chave dos ultraprocessados: nomes complicados e lista de ingredientes gigante. Tem as transformações desse conceito em exemplos cotidianos. Mas a definição trazida por Rute Costa, professora do Instituto de Alimentação e Nutrição da Universidade Federal do Rio de Janeiro, é de explodir a cabeça – de um jeito muito melhor que um pacotinho de Doritos.
Essa frase foi dita em uma das entrevistas do documentário Comida de mentira, cuja pré-estreia em São Paulo está marcada para terça-feira, 15 de abril. “Essa corporação que bate na nossa casa com um pacotinho, com esse produto com gosto de comida. Tire o homem branco do seu estômago. Volta à comida que os seus ancestrais já construíram, já percorreram, de forma muito inteligente, com muita sabedoria, elaboraram para suas comunidades, para sua existência”, condensou Rute, que também é integrante do Culinafro, um grupo de pesquisa e extensão que vale a pena conhecer.
O documentário marca a chegada de O Joio e O Trigo às telonas. Nossa equipe é parceria do Coletivo Bodoque, responsável pela produção, que conta com o apoio da ACT Promoção da Saúde. Também atuamos no roteiro em conjunto com Rafael Melim, diretor do filme, Eudóxia Carvalho e Paulo Gabriel Galvão.
A frase de Rute Costa condensa com profunda felicidade a conexão entre os ultraprocessados e o colonialismo. Afinal, são empresas do Norte, como Nestlé, Coca-Cola e Danone, que promoveram esse modo de consumo, sempre desvalorizando nosso arroz com feijão.
“O conceito de ultraprocessados, e toda a teoria por trás dele, nasceram no Brasil. Já não era sem tempo que surgisse aqui uma produção audiovisual que contasse essa história, buscando ampliar a discussão em torno da nossa alimentação e dos riscos que a cercam”, resume Maíra Mathias, editora do Joio e uma das roteiristas.
O filme é atravessado por ótimas reflexões sobre o histórico desses produtos, desde o surgimento no contexto da Revolução Verde e da Guerra Fria até os desdobramentos mais recentes, com as trágicas descobertas sobre danos à saúde física e mental. O rol de entrevistados busca traçar um cenário completo, discutindo desde o contexto social no qual florescem salgadinhos, pratos congelados, salsichas e companhia, até a mais minuciosa pesquisa científica.
Está na lista Carlos Monteiro, professor emérito da Faculdade de Saúde Pública da USP e criador da Classificação NOVA, justamente a teoria que cunhou o termo e o conceito de ultraprocessados. A colega dele, Maria Laura Louzada, também foi entrevistada, junto com o pediatra Daniel Becker e a médica de família Denize Ornelas. Paula Johns, diretora da ACT Promoção da Saúde, Raphael Barreto, pesquisador da Fiocruz, Isabel David, professora da Universidade Federal Fluminense, e a youtuber Rita Von Hunty estão em Comida de mentira. A narração é da atriz Denise Fraga.
Ao longo de todo o ano passado, a equipe de produção trabalhou na seleção de entrevistas e dos temas que seriam abordados no documentário. E já fazia algum tempo que amadurecia a ideia de trazer para o cinema uma discussão que, no Brasil, só tem feito avançar.
O momento é bastante propício. Já existe um conjunto grande de evidências científicas que expõem associações entre ultraprocessados e doenças diversas. Nos últimos anos, o Brasil ganhou políticas públicas que buscam desestimular o consumo desses produtos, como as leis que restringem a oferta no espaço escolar e o decreto da nova cesta básica. Ao mesmo tempo, seguem a existir campanhas corporativas voltadas a tentar desacreditar a teoria surgida no Brasil, ou a tentar esvaziá-la de sentido, como é a busca por criar a ideia de que existem “ultraprocessados menos piores”.
Todo esse volume de fatos e desdobramentos faz repensar e relegitima o uso da expressão que dá nome ao filme. Nos últimos anos, no Joio, temos evitado chamar os ultraprocessados de “comida de mentira” porque sabemos quão sensível é falar de alimentação. Por uma série de razões, muitas pessoas estão obrigadas a comer mentiras, e isso é bastante duro de ouvir. Mas, justamente por isso, também é urgente de comunicar: não podemos naturalizar a ideia de que algumas pessoas serão forçadas a fazer da alimentação uma fonte de doença, e não de prazer e nutrição.
Comida de mentira é para quem já está iniciado no assunto ganhar novos argumentos. Mas é também para quem nunca teve contato com essa questão. A linguagem e o roteiro foram pensados para estimular o debate. Então, vamos tirar o homem branco de nossos estômagos?
Comida de mentira
Duração: 65 minutos
Direção: Rafael Mellim
Apoio: ACT Promoção da Saúde
Parceria: O Joio e O Trigo
Realização: Coletivo Bodoque
Informações sobre a pré-estreia
CineSesc, 15/4, 20h
Ingressos gratuitos. Distribuição a partir de 19h
Artigo Documentário ‘Comida de mentira’ tem pré-estreia nesta terça-feira em São Paulo publicado em O Joio e O Trigo.
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