Menos floresta, mais pasto: senador Jaime Bagattoli ameaça a Amazônia com dinheiro do mercado de capitais

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Com mandato pelo PL de Rondônia, Bagattoli assume comprar gado de desmatadores na região onde atua; animais são adquiridos pela Minerva com recursos do Certificado de Recebíveis do Agronegócio

Esta reportagem foi produzida em parceria com a Rainforest Investigations Network do Pulitzer Center.

Nas eleições majoritárias para renovar um terço das cadeiras do Senado, em 2022, o catarinense Jaime Maximino Bagattoli, então com 61 anos, foi eleito com 289.553 votos, representando o Partido Liberal (PL) por Rondônia.

Naquele ano, o conhecido empresário do agronegócio de Vilhena, “capital” do Cone Sul rondoniense, já havia recebido pagamentos do Certificado de Recebíveis do Agronegócio (CRA) da Minerva Foods pelo fornecimento de gado. No ano seguinte, nova remessa de animais: ao todo, Bagattoli recebeu R$ 25,8 milhões pagos em 15 parcelas pela segunda maior indústria de carnes brasileira, a partir de crédito via mercado de securitização.  

No entanto, parte do gado enviado pelo confinamento de animais da fazenda Alvorada, do Grupo Bagattoli, tem origem do desmatamento da Amazônia, de acordo com levantamento do Centro para Análise de Crimes Climáticos (CCCA, na sigla em inglês). Investigação feita pelo Joio mostra que o senador pecuarista faz parte de uma rede maior de criação de gado em áreas desmatadas ilegalmente e financiadas com recursos da bolsa de valores.

De uma lista de 605 pecuaristas listados em um dos CRA da Minerva, o CORP Minerva VI, Bagattoli aparece em 11º no ranking dos maiores valores de destinação de recursos do título. Seu irmão Orlando Vitorio Bagattoli, sócio nos negócios agropecuários, incluindo o confinamento na Alvorada, também recebeu pagamentos da mesma fonte, no valor de R$ 4,8 milhões.

Fazenda Alvorada serve como centro de recebimento de animais de outras fazendas que criam e recriam gado; destino final são frigoríficos da Minerva em Rolim de Moura e da JBS em Vilhena (Fotos: Fernando Martinho/O Joio e O Trigo)Fazenda Alvorada serve como centro de recebimento de animais de outras fazendas que criam e recriam gado; destino final são frigoríficos da Minerva em Rolim de Moura e da JBS em Vilhena (Fotos: Fernando Martinho/O Joio e O Trigo)Fazenda Alvorada serve como centro de recebimento de animais de outras fazendas que criam e recriam gado; destino final são frigoríficos da Minerva em Rolim de Moura e da JBS em Vilhena (Fotos: Fernando Martinho/O Joio e O Trigo)Fazenda Alvorada serve como centro de recebimento de animais de outras fazendas que criam e recriam gado; destino final são frigoríficos da Minerva em Rolim de Moura e da JBS em Vilhena (Fotos: Fernando Martinho/O Joio e O Trigo)Fazenda Alvorada serve como centro de recebimento de animais de outras fazendas que criam e recriam gado; destino final são frigoríficos da Minerva em Rolim de Moura e da JBS em Vilhena (Fotos: Fernando Martinho/O Joio e O Trigo)

A poucos metros da asfaltada BR-364, que corta Vilhena em duas metades, fica a moderna estrutura da fazenda Alvorada Confinamento, pertencente ao Grupo Bagattoli Divisão Agro. 

A fazenda funciona como um centro de recebimento de gado de dezenas de propriedades na região, com grandes estoques de silagem, funcionários uniformizados e cochos cobertos para alimentação dos animais. Dela, os irmãos Bagattoli enviaram quase seis mil animais para a unidade da Minerva no município de Rolim de Moura entre maio de 2019 e janeiro de 2022. 

Bagattoli afirma vender 30 mil cabeças de gado por ano.“Eu tenho um confinamento que é modelo nesse país, mo-de-lo. Não tem 15 deste [tipo] no Brasil, vou repetir. Não tem 15 deste, até compostagem de esterco tem”, orgulha-se. A entrevista por telefone foi concedida apenas ao final de janeiro de 2025. Desde outubro, tentamos conversar com o parlamentar. Primeiro, presencialmente, em Vilhena, e depois à distância.  

O senador assume não excluir fornecedores da fazenda Alvorada por desmatamento. “Se você pensar por isso aí, manda fechar os frigoríficos. Cinquenta por cento das terras de Rondônia e Mato Grosso têm algum problema ou de regularização fundiária, ou que não deram licença para desmatamento, algum problema têm”, afirmou. 

“Ou você acha que a Minerva não compra deste produtor [que desmata]? Você sabe como os produtores estão vendendo lá? Ele vende para um outro produtor para este vender para a Minerva”, explica o senador, explicando de forma didática e pública como se dá a lavagem de gado na região onde atua.

Dono do posto de combustíveis Catarinense, da transportadora Giomila, dos Armazéns Kargioli Importação e Exportação, do Grupo Bagattoli Confinamento e de fazendas para a produção de grãos, administradas pelo Grupo Bagattoli Divisão Agro, o senador domina todas as fases de produção de carne a montante do frigorífico.

Silos, transportadora, posto de combustíveis, restaurante e escritório administrativo do Grupo Bagattoli, às margens da BR-364, em Vilhena-RO (Foto: Fernando Martinho/O Joio e O Trigo)Silos, transportadora, posto de combustíveis, restaurante e escritório administrativo do Grupo Bagattoli, às margens da BR-364, em Vilhena-RO (Foto: Fernando Martinho/O Joio e O Trigo)Silos, transportadora, posto de combustíveis, restaurante e escritório administrativo do Grupo Bagattoli, às margens da BR-364, em Vilhena-RO (Foto: Fernando Martinho/O Joio e O Trigo)

“Daqui saem de 65 a 70 caminhões de boi por dia, ‘puxa’ do Jaime e de terceirizados”, disse o encarregado da frota no pátio do complexo Bagattoli.

Diretamente, 3.984 pessoas físicas foram responsáveis pela compra de 25% do total de unidades mobiliárias do CRA da Minerva, o que significa que aplicaram o valor mínimo de R$ 1 mil cada uma na compra dos títulos. No encerramento da oferta, em outubro de 2023, a Minerva bateu a meta de levantar R$ 2 bilhões em recursos no mercado de capitais.

Indiretamente, milhares de investidores do tipo pessoa física e jurídica também aplicam recursos nos CRA da Minerva por meio dos Fundos de Investimento das Cadeias Produtivas Agroindustriais (Fiagro). Segundo levantamento exclusivo do Joio, ao menos 11 Fiagro compraram ativos da empresa para compor seus portfólios.

Sete deles apostaram no CRA da Minerva, que pagou fornecedores da rede de desmatamento em Rondônia. São eles os Fiagro AZ Quest Sole, AZ Quest Luna, Inter Amerra, Sparta Fiagro Imobiliário, BB FI Crédito Fiagro Imobiliário, Vectis Datagro Crédito Agronegócio, e o Kinea Crédito Agro, este último do grupo Itaú.

Além de prover para a Minerva, a fazenda Alvorada abasteceu a JBS com ao menos 40 mil animais entre outubro de 2018 e janeiro de 2022, segundo levantamento do CCCA. A empresa é líder no processamento de carnes no mundo e cliente assídua do mercado de capitais

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Fornecedores indiretos que desmatam

Os principais destinos de exportação do gado abatido no frigorífico da Minerva em Rolim de Moura são a China e o Egito. A empresa saudita Salic International Investment Company se beneficia destas exportações, uma vez que figura como a sócia majoritária da Minerva S.A.

Mas é em território rondoniense, entre os três estados da Amazônia Legal que mais converteram áreas de floresta em pastagem nas últimas décadas, que os custos ambientais deste comércio internacional ocorrem. 

A análise do CCCA encontrou quatro fazendas com registros de supressão ilegal da vegetação e que vendem animais para a Alvorada, do Grupo Bagattoli.

Entre elas está a fazenda Iracema, localizada em Vilhena e pertencente a Nadir Ciro Comiran, que forneceu gado à Alvorada em 2021. Na área, ocorreu a derrubada de 281 hectares de floresta entre 2008 e 2018.

Fazenda Iracema tem registros de desmatamento em 2008 (área em branco), 2017 (azul claro) e 2018 (escuro), segundos dados do CAR e Prodes/INPE (Bruna Bronoski/O Joio e O Trigo)

No município de Cujubim, a fazenda JB, de Josimar Baiocco, também forneceu gado à Alvorada em 2021. A área possui um embargo de 2007 por ter destruído uma área de preservação permanente.

Embora o desmatamento tenha ocorrido antes da anistia do Código Florestal, que perdoou desmatadores que agiram até julho de 2008, Baiocco voltou a desflorestar áreas em Rondônia entre 2009 e 2010, tendo sido multado em R$ 691,6 mil pela destruição de florestas.

Outro fornecedor do confinamento do grupo Bagattoli é Ramiro José Sales Junior, que também recebeu dinheiro diretamente do CRA da Minerva para fornecer gado, no valor de R$ 1,5 milhão. O pecuarista tem quatro propriedades em Cacaulândia, a 500 quilômetros de Vilhena. Em três delas, há alertas de desmatamento – o Rancho Gabriela IV teve alertas em 2017 e o Cadastro Ambiental Rural cancelado

Quando perguntado se tem algum projeto ou previsão de rastreamento de seus fornecedores para a fazenda Alvorada, Bagattoli respondeu que isso é tarefa para o Idaron, a Agência de Defesa Sanitária Agrosilvopastoril do Estado de Rondônia. “O Idaron vai lá e não cadastra mais as pessoas, pronto, acabou.”

Já a Minerva informou em nota que “a Companhia realizou uma investigação por meio de monitoramento socioambiental, considerando o fornecimento direto, e informa que não foram identificados passivos ambientais ou comercialização irregular”. Ainda, declarou que deve implementar só em 2030 um programa de monitoramento de fornecedores indiretos na América do Sul, como é o caso de fazendas que comercializam com Jaime Bagattoli, fornecedor direto da Minerva.

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Redução da Reserva Legal

Jaime Bagattoli não chegou a Brasília em razão de uma longa trajetória política ou por tradição de família. Depois de explorar madeira na Amazônia nos anos 1980, ganhou fama como o “rei do confinamento de gado” e da produção de soja em Vilhena, o que o alçou à cadeira de oito anos no Senado, após uma primeira tentativa mal sucedida nas eleições de 2018. Em 2022, surfou a onda bolsonarista. 

Apoiador de Jair Bolsonaro e defensor de uma agenda antiambiental, Jaime Bagattoli foi eleito vice-presidente da Frente Parlamentar Agropecuária (FPA) no Senado em dezembro de 2024 (Foto: Reprodução Instagram)Apoiador de Jair Bolsonaro e defensor de uma agenda antiambiental, Jaime Bagattoli foi eleito vice-presidente da Frente Parlamentar Agropecuária (FPA) no Senado em dezembro de 2024 (Foto: Reprodução Instagram)

“Todo mundo queria que eu fosse governador, eu não quero”, declarou ao Joio.

No âmbito privado, o senador contribui com o desmatamento da Amazônia lavando o gado do desmatamento. Mas o faz também pela via pública, ao tentar alterar o Código Florestal, que determina a proteção de 80% da área de propriedades para fins de Reserva Legal no bioma amazônico.

No Projeto de Lei 3334/2023, de sua autoria, o senador propõe baixar esse percentual para 50% em casos específicos, como o de estados e municípios da Amazônia Legal que tenham mais de 50% de áreas protegidas por unidades de conservação (UCs) e terras indígenas (TIs). 

“Esse nível de exigência conservacionista estabelecido para a Amazônia Legal compromete substancialmente o desenvolvimento econômico de suas propriedades rurais e de toda a região”, justifica o senador no projeto.

O PL argumenta que o estado contribui “com as maiores extensões de unidades de conservação e de Terras Indígenas de todo o país”, ignorando análises geoespaciais que apontam Rondônia como um dos estados que mais desmatam ilegalmente áreas protegidas, como unidades de conservação e terras indígenas. 

De acordo com nota técnica publicada pelo Observatório do Código Florestal, em caso de aprovação do PL, haveria uma redução de 8,5 milhões de hectares de vegetação nativa da Amazônia. 

“O PL propõe permitir o desmatamento de 30% do que está protegido hoje”, explica Marcondes Coelho, analista socioambiental no Instituto Centro de Vida (ICV), organização da sociedade civil que busca soluções para a sustentabilidade do uso da terra e dos recursos naturais.

“O impacto direto é a perda de vegetação nativa e de sociobiodiversidade, redução dos serviços ecossistêmicos, como armazenamento de carbono, regulação do clima, provisão de chuvas, proteção biológica e regulação de saúde, perdas econômicas, entre outros danos socioambientais”, completa.

Artigod Menos floresta, mais pasto: senador Jaime Bagattoli ameaça a Amazônia com dinheiro do mercado de capitais publicado em O Joio e O Trigo.

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